Se você fica triste, fico triste. Se você fica alegre, fico alegre. Por favor, fique rico...

domingo, 28 de agosto de 2011

Amigas

"MINHAS AMIGAS
Mês das cigarras e das flores de flamboyant, como diria Fradique Mendes se tivesse de datar em Dezembro uma carta no Rio de Janeiro. Prescindo, como ele, da enumeração do dia. Datas são algarismos sem forças para fazer sentir o violento azul do nosso céu, nem os ramalhões purpurinos das nossas árvores, nem este chiar incessante das cigarras entontecidas de luz, anunciando o calor.
Este lindo mês, em que o ano morre engalanado de cores e de sons, obriga-nos a volver o olhar para o passado, numa inquirição pensativa e saudosa... E logo a querer sondar o futuro impenetrável com a frouxa luz de uma esperança. Nada se descortina bem, visto de longe; e é melhor assim...
O que torna a vida encantadora é o imprevisto; e a prova é que ninguém desejaria recomeçá-la da mesma forma porque a já viveu; nem creio mesmo que, se tal milagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais venturosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar!
Cerre alguém os olhos, pense, siga o curso da sua existência, e ficará convencido de que só alguns dias lhe mereceram o desejo de serem revividos.
Dias? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura...
Para a gente moça o maior encanto da vida está no que há de vir, no que se ignora; para que transpõe o cabo dos quarenta, está no presente, que passa ligeiro, ligeiro, como a corrente de um rio caudaloso...
Minhas boas amigas, donas e donzelas, velhas e meninas, perdi o endereço de algumas de vós; outras... Rezemos-lhes por alma, estão mortas; de sorte que esta carta, de incerta direção, pretende ir até as portas do céu, na ondulação do acaso e da saudade.
Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem exprimir os sentimentos por palavras; eles parecem-nos por demais sutis e complexos; elas insuficientes e fraquíssimas. Dizem que há para todas as coisas expressões precisas, de inquestionável exatidão; a língua modula no som, e inalterada, a essência da mais rara alegria ou do mais terrível desespero. Mas essa é a interpretação dos fortes; a nossa dilui-se, numa gota incolor e inodora, que é como um chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria; ou, se vem da dor, como um floco de neve em uma brasa, que apaga a luz e deixa a nu o carvão.
Lembranças de amizade não são como lembranças de amor, que pungem e deliciam; têm outra suavidade, um perfume indistinto, e por isso são mais difíceis de descriminar nas meias tintas do passado; todavia, quanta comoção elas nos trazem na sua nevoenta aparição!
Minhas amigas de outros tempos, supondo que eu enfeixo as graças e virtudes de vós todas em uma só figura, que podereis chamar de Mocidade, ou de Primavera, como vos aprouver.
Para ser suprema a sua formosura ela terá os teus doces olhos azuis, tão cedo fechados, Elvira; e o teu riso alegre, Maria Laura; e a tua voz, Janan; e a tua bondade adorável, Marie; e as linhas do teu corpo, Alice; e a doçura da tua tez, Carlota! Terá da negra Josefa, tão triste por não ser branca, a branca inocência; e de vós todas, com que topei na minha infância, a garrula alegria e a trêfega imaginação."

O texto, lindamente escrito por Júlia Lopes Almeida no século passado é tão atual e tão comovente que posto para compartilhar aqui. Poderia, eu, trocar os nomes acima por Margaret, Martha, Gina, Ângela, Denise, Eleonora, Doreca ...

OBS: Júlia Lopes Almeida (1862 - 1934) foi escritora nascida no Rio e presidente honorária da Legião da Mulher Brasileira, sociedade criada em 1919 e participou das reuniões de formação da Academia Brasileira de Letras, da qual ficou excluída por ser do sexo feminino. O texto acima foi retirado do livro "LIVRO DAS DONAS E DONZELAS"

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